O primeiro dia do 29º Congresso da SMC teve como um dos destaques a conferência sobre os trials que impactaram a prática clínica em 2018 e 2019, ministrada pelo cardiologista Otávio Berwanger. Com grande sucesso de público, a sessão também contou com importantes discussões sobre a aplicação prática das descobertas à rotina diária dos congressistas. O conferencista Otávio Berwanger é diretor de pesquisa do Hospital Albert Einstein, da Socesp e investigador principal de vários trials internacionais. Confira abaixo nossa conversa com o pesquisador:

Congresso em Foco: Dr. Otávio, na sua opinião, qual foram os três principais trials recentes em Cardiologia e quais as lições que aprendemos com cada um deles?

O primeiro grande estudo que gostaria de destacar foi apresentado ano passado, no Congresso American Heart Association, e chama-se estudo DECLARE. Realizado em pacientes com diabetes tipo 2, o projeto testou uma nova medicação denominada dapaglislozina. O estudo demonstrou que a medicação, quando utilizada em pacientes que tinham ou não doenças cardiovasculares, foi capaz de reduzir o risco do indivíduo morrer por causas cardiovasculares ou se hospitalizar devido à alguma insuficiência cardíaca, além de também reduzir pela metade o risco de desfechos renais graves. Então isso significa que a medicação tem diminuído o risco tanto em pacientes que possuem diabetes, mas ainda não desenvolveram alguma doença, quanto aquele paciente que já possui algum tipo de doença cardiovascular e/ou renal grave, mudando o paradigma do tratamento do diabético tipo 2.

Os outros dois estudos consistem em projetos irmãos: o projeto Bridge Cardiovascular Prevention e o projeto Bridge Stroke. O primeiro foi realizado com pacientes em acompanhamento ambulatorial com doença cardiovascular estabelecida, em cerca de quarenta hospitais de todas as regiões do Brasil; já o segundo foi desenvolvido em centros médicos no Brasil, Argentina e Peru, com pacientes que sofriam AVC na fase aguda. Através dos estudos, nós medimos como esses centros médicos utilizavam os tratamentos recomendados pelas diretrizes e percebemos que havia uma falha na incorporação dessas intervenções recomendáveis. Depois, em cada projeto, nós sorteamos alguns hospitais e metade deles recebeu um pacote de ferramentas de melhoria, o qual envolvia o treinamento dos médicos, uso de reporte mensal, treinamento de uma gerente de casos etc. Após a utilização das ferramentas, nós conseguimos aumentar a adesão de terapias baseadas em evidências, aumentando também a adesão às diretrizes. Logo, foi possível criar um pacote factível à realidade do Brasil e da América do Sul, além de reduzir o risco dos pacientes em desenvolverem complicações e eventos cardiovasculares. 

Congresso em Foco: O senhor participa de vários estudos clínicos em andamento, a nível mundial. O que podemos esperar para breve?

Recentemente participei do desenho e do comitê diretivo do estudo AUGUSTUS, coordenado pelo colega brasileiro Dr. Renato Lopes. Geralmente, pacientes que fazem angioplastia com stent ou sofrem um infarto, precisam ser medicados com aspirina junto a uma medicação antiplaquetária (como o clopidogrel) e uma anticoagulante (como a varfarina) – colocando-os num alto risco de sangramento. Nesse caso, o estudo AUGUSTUS testou se existe uma forma de tratar os pacientes de forma mais segura, reduzindo o risco deles sofrerem um sangramento maior. A primeira comparação do projeto foi usar um anticoagulante mais recente, denominado apixabana, e um mais antigo (como a varfarina). Em relação ao último, a apixabana resultou em menores riscos de sangramentos clinicamente revalentes, além de diminuir o risco de óbitos ou de necessidades de hospitalizações – se tornando uma estratégia mais segura ao paciente. O AUGUSTUS também constatou que é mais seguro ao paciente tomar apenas as medicações antiplaquetária e anticoagulante, eliminando a aspirina, sem aumentar o risco de o paciente desenvolver doenças clínicas. Logo, a combinação mais segura seria usar um anticoagulante novo junto a um antiplaquetário.

Congresso em Foco: Qual a importância do Congresso Mineiro de Cardiologia para o senhor?

Minas Gerais possui uma cardiologia de referência, com grande representatividade nacional e internacional, então o evento reúne essas principais lideranças do estado através de discussões sobre os principais avanços recentes da cardiologia. Além disso, o evento também conta com lideranças de fora de Minas, então é uma oportunidade de estar em um congresso de alta excelência, com uma troca de experiências muito importantes entre palestrantes e congressistas. Para mim, é uma honra estar no 29º Congresso da SMC e apresentar os estudos que desenvolvi com meus colegas.